BPC: Beatles revisitados a serviço da iniciação musical

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Quando vi de perto uma apresentação do quinteto BPC, percebi que os pais ficavam excitadíssimos com a ideia de proporcionarem aos filhos pela primeira vez a chance de “sair do chão”, pular, gritar e vibrar com hits que todos sabem cantar juntos. Entendi de cara um lance fundamental: mais do que um mero divertimento, também há um forte componente de ‘iniciação musical’ em todo o projeto Beatles Para Crianças.

Agora, com o encarte deste incrível CD, isso fica de novo comprovado. Temos aqui mais do que um encarte: trata-se de um verdadeiro “manual do rock”, com explicações deliciosas sobre os quatro movimentos do gênero, os instrumentos mais característicos das bandas, os looks que a garotada pode adotar na hora do “partiu balada” e até dicas para os ‘roqueirinhos de primeira viagem’: como produzir aquelas luzinhas no escuro, a forma ‘certa’ de balançar os braços e assim por diante. Fiquei com vontade de ser criança de novo para reviver a experiência de minha primeira balada, tendo em mãos “meu primeiro CD de rock”.

Ensinar música dessa forma tão bem pensada, tão divertida e interativa é o grande achado do projeto BPC. Vejam o que escreveu um dia o psicanalista e educador mineiro Rubem Alves (1933-2014): “Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, eu não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes.”

Pois essa tal “experiência da beleza” está presente neste CD. Não há como negar. Cada faixa foi muito bem escolhida e integrada ao projeto. Os arranjos são originais, não são cópias ou meras reproduções de sucessos planetários. Não estamos ouvindo covers do quarteto de Liverpool. De forma alguma. Os cinco ‘rapazes’ do projeto BPC nem sequer se vestem como os Beatles. Perucas? Acessórios? Nem pensar. O barato deles parece ser outro: querem provar que as releituras de grandes sucessos têm potencial para rejuvenescer a alma, integram gerações, facilitam a convivência, contribuem para uma formação ética e saudável, estimulam a expressão corporal, enfim, abrem portas para um mundão musical a ser descortinado por essa moçadinha em idade de começar a se chacoalhar nas pistas, mergulhando de cabeça – e com responsabilidade – no reino do ‘twist and shout’.

Fabio Freire (idealizador, diretor musical, educador, vocalista e violonista), Eduardo – Ludi – Puperi (guitarra, teclados e gaita), Humberto Zigler (bateria), Johnny Frateschi (baixo) e Gabriel Manetti (vocalista. ator, dublador e arte educador) dominam completamente todo o repertório dos Beatles, mas nos apresentam cada canção com sabor de novidade, com pegada contemporânea, de olho no interesse das novas gerações. Fazem rock de verdade, mas sem medo de incluir alguns instrumentos novos, lúdicos e divertidos, como ukulele, charango, kazoo e washboard.

Em pouco mais de dois anos, eles já passaram da marca de 300 shows – e todos invariavelmente acabam com pais e filhos cantando e dançando juntos, numa experiência única e muito rica de interação musical. Agora, com este disco, a ‘baladinha pais e filhos’ vai poder se estender para dentro de casa, com móveis arrastados para um canto e o tapete liberado para suportar muitos pulos e uma enorme euforia.

“A música é um remédio, um tônico, suco de laranja para o ouvido”, escreveu o neurolinguista inglês Oliver Sacks (1933-2015). A frase se encaixa como luva no encantador projeto educativo do grupo BPC. Assim como vale lembrar de mais essa pérola do saudoso Rubem Alves: “Os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos.” Fabio, Ludi, Humberto, Johnny e Gabriel, inegáveis professores de rock, nos presenteiam aqui com um CD que é puro sonho e que, com certeza, vai despertar vocações e novos talentos mirins – e nos ajudar a educar nossos filhos para o amor. Para sempre, Beatles.   

 

Dib Carneiro Neto é jornalista, crítico de teatro infantil e dramaturgo